quarta-feira, 24 de maio de 2017

O medo de cair e o “pé no chão”

Sou um ciclista de longa data.
Muitas pessoas, ao perceberem meu entusiasmo por esta atividade confessaram não saber pedalar. Tinham medo, do inevitável tombo, da falta de equilíbrio ou até, meninas já bem crescidas, mães de longa data e ou avós, do mito que pedalar faz perder a virgindade ou acabar com aquilo que restava.  E o receio da dor que poderia advir na região onde a carne mais abunda!

Haviam aquelas que aprenderam a pedalar na infância e sei lá porquê deixaram de o fazer.
Ah! Tinha os meus netos!

Fui “coach” de vários na situação: Gostaria de pedalar, mas não consigo!

Investido daquela indignação quase pueril própria da maioria dos ciclistas fanáticos costuma ostentar resolvi me dedicar a ensinar estas pessoas a andar de bike.

Além da vontade um problema: Como fazer meu querido aluno adquirir o equilíbrio necessário para pedalar sem ter que ficar correndo loucamente atrás dele segurando seu selim ou lidar com a existência de rodinhas para marmanjos iniciantes. Cinco minutos de treino e eu, o professor, estaria numa maca usando um tubo de oxigênio.

Não me recordo de onde me veio o método de ensinar mas sei que não fui eu quem o criou! Só me lembro que li o seu uso em crianças para ensina-los a pedalar sem as rodinhas. 

A essência do método adotado foi incorporar a evolução da bike no aprendizado. A primeira bicicleta, criada por Leonardo da Vinci, não tinha correntes ou pedais. Era um quadro, guidom e selim de madeira onde o cidadão se movia sentado na estrutura e se impulsionava empurrando o chão com os pés.

A sacada do método é retirar o medo de cair, de estar longe do chão. Arruma-se uma bicicleta e se regula o selim de forma que o candidato a ciclista possa pôr os pés no chão.  Retira-se os pedais e faça-o andar numa rua de leve declive com a bike acoplada entre as pernas (como na figura). A medida que ele se familiariza com o movimento de andar com a bike, proponha impulsos maiores, economizando passadas. Após sucessivas tentativas o aluno conseguirá descer o declive colocando os pés para cima sem ter que os pôs no chão. Deixou de ser candidato e virou um ciclista inexperiente.
 
Reponha os pedais e proponha: Ao invés de pôr os pés para cima, ele que os apoie nos pedais ou até gire os pedais, mas sem fazer esforço.  Depois o mesmo exercício, mas com o uso da força nas pernas. Pronto! O equilíbrio foi encontrado e você “coach” só ficou observando. Em três dias de “aula” no máximo ele passa a ser um novato.
Aí, vá pedalar com ele num parque e observe a reação. Choro, orgulho, felicidade!
Existem diversas analogias desta situação com os processos de transformação que possamos ensejar na vida. E para quem se dedica a atividade de coaching mais ainda.
Vemos contemplados conceitos e ações envolvendo o “estado atual”, “estado desejado”, plano de ação, metas, crenças limitantes...
Mas a questão que mais me chama a atenção, para fazer algo tão inusitado quanto pedalar pela primeira vez com mais de 50 anos é preciso ter a segurança de ter o “pé no chão”. Depois se consegue locomover de outra forma e ter prazer nisto.
Escrevi em outro texto, “Começar não é fácil! Sentimentos de expectativas, insegurança, medo de errar, de não errar, mesmo assim não vai dar certos... todos os tipos de ansiedades e incertezas afloram, é o medo do desconhecido, é nosso natural alerta de preservação. Sentimos por vezes navegando em águas turbulentas ou em “mares nunca dante navegados”. Faz falta aquela maquininha ou um recurso áudio visual para que pudéssemos enxergar o futuro para termos a certeza que o caminho foi adequado. ”
Nós humanos temos uma mente curiosa.  Não nos requer muito esforço imaginar. Conseguimos facilmente viajar nas estrelas a bordo da nave Interprise, estabelecermos relações de hierárquicas inferiores com o Capitão Kirk e tentarmos sermos amigos do Spok, se seu jeito Vulcano de ser lhe permitir. Assim também nos viajarmos e nos iludir com as nossas metas e planos de ação.
Começar requer segurança, demanda “pé no chão”. Para aqueles que estão a iniciar ou em processo de busca de novas metas na vida é essencial a reflexão: O quanto aquilo que pretendo é realístico, o quanto estarei pisando em terreno conhecido ou enquanto estarei viajando.
Na minha concepção, ser e atuar como coach é fazer o coachee (cliente) lidar com o medo do desconhecido, fazendo-o perceber que tem o pé no chão ou o chão está próximo.
Então, qual a receita? Simples, isto não é um bolo, não tem receita!
Atuar “pé no chão” é pressupor uma “certeza” que as decisões e os planos a serem tomados são os mais realistas possíveis, que as variáveis controláveis e os riscos estão sendo avaliados. Temos que incorporar questões como, quais são as perdas e ganhos e dificuldades no caminho percorrido, quem serão os protagonistas ou atores da nova realidade pretendida, que papel desempenharão. Quais são os cenários possíveis e quais são os eventuais planos de contingência. Este procedimento é bê-á-bá em planejamento estratégico e mercadológico.
Implementar esta condução, exige de nós profissionais de coach e outros que lidam com mentes humanas escuta muito atenta, trazer o “pé no chão” de forma cirúrgica nas perguntas, faze-lo detalhar cenários pois a nossa missão como coach não é apenas um compromisso com a meta de nosso cliente, mas com a viabilidade dele a atingir. Se o cliente desanima, muda ou desiste da meta, em algo erramos, ele não enxergou o chão!
Albert Einstein, gênio da física, era também um excelente frasista. É dele esta perola: “A vida é igual andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio é preciso se manter em movimento” e como ciclista modestamente completo “e leia o terreno por onde vai passar e não perca o chão e seus obstáculos de vista”.  

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